Contraponto a Davos mostrou que neoliberalismo não é o único caminho
Oded Grajew em Folha de São Paulo
Oded Grajew
Idealizador do Fórum Social Mundial, é presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro doInstituto Cidades Sustentáveis e da Oxfam Brasil
A edição do Fórum Econômico Mundial (FEM) de (https://www1.folha.uol.com.br/folhatopicos/
davos/) Davos (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/davos/), em 2000, proclamava otriunfo do neoliberalismo. A economia, liberada de restrições, controles,regulamentações e regras, levaria o mundo à prosperidade e resolveria todosos nossos problemas sociais.
As restrições que buscavam preservar os direitos trabalhistas, os direitoshumanos, a proteção ao
meio ambiente (https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/) e garantiros direitos dos consumidores eram consideradas obstáculos aodesenvolvimento econômico e ao progresso. A presença de ditadores emDavos, recebidos com todas as honras, dava respaldo aos que acreditaram quea democracia, com suas regras, dificultava as ações daqueles que queriam atotal liberdade de mercado.
OPINIÃO
26/01/2021 20 anos de Fórum Social Mundial – 25/01/2021 – Opinião – Folha
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/01/20-anos-de-forum-social-mundial.shtml 2/5
Extremamente incomodado ao assistir pela mídia a esse discurso e às
louvações ao neoliberalismo, tive a ideia da criação do Fórum Social Mundial
(https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2503201107.htm)(FSM). Era necessário criar um
contraponto (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/04/oded-grajew-novo-modelo-economico.shtml)e se
opor ao FEM, mostrar que a economia precisa estar a serviço do progresso
social. Que os direitos humanos, a preservação do meio ambiente e a
democracia são valores fundamentais para o processo civilizatório, para a vida
no planeta, para o bem-estar de todos —e não apenas de alguns. Que o
mercado livre, sem regras e limites, significa promover a lei da selva onde o
mais forte se torna mais forte e o mais fraco se torna mais fraco — ou
desaparece. O que resulta no aumento brutal das desigualdades.
Ao examinar os indicadores de desigualdade
(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/10/desemprego-e-falta-de-governabilidade-sao-maiores-riscos-no-brasil-diz-
Oded Grajew, idealizador do Fórum Social Mundial e presidente emérito do Instituto Ethos – Zé
Carlos Barretta – 12.mar.19/Folhapress
26/01/2021 20 anos de Fórum Social Mundial – 25/01/2021 – Opinião – Folha
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forum-economico-mundial.shtml?utm_source=folha&utm_medium=site&utm_campaign=topicos)no mundo, onde
o 1% mais rico concentra a mesma riqueza que os outros 99%, a pergunta que
sempre me fiz era: como é possível que tão poucos dominem tantos? Como
aceitar tamanha desigualdade? Uma das causas está no fato de que uma boa
parte da população se deixou convencer de que não haveria alternativas,
outras escolhas; e, por outro lado, a fragmentação da sociedade civil, que teria
dificuldade de se articular, de se juntar, para adquirir força política e social,
para promover mudanças e influenciar políticas públicas.
O FSM seria um processo protagonizado pelas organizações sociais que
visibilizasse propostas e iniciativas concretas para o progresso social,
mostrando que um outro mundo é possível, e facilitaria conexões, alianças e
parcerias entre organizações e lideranças sociais.
Várias pessoas e organizações abraçaram a ideia e, em janeiro de 2001, foi
lançado o FSM em Porto Alegre. A partir de 2004, o FSM ganhou o mundo.
Inúmeros fóruns mundiais, regionais, nacionais, locais e temáticos se
espalharam por todos os continentes. Para festejar seus 20 anos, o FSM, que
começou no dia 23 e vai até 30 de janeiro, será virtual por causa da pandemia
(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/confianca-na-economia-e-central-para-superar-crise-da-covid-19-dizdavos.
shtml).
Acumulamos derrotas e vitórias. As desigualdades continuam enormes, e
prossegue a devastação ambiental. Alguns países importantes elegeram
governos que negam todos os valores da democracia, direitos humanos e
sustentabilidade ambiental. Governos progressistas implementaram
importantes políticas sociais, mas alguns se renderam à lógica do mercado e
às tentações do poder. Várias redes e alianças se formaram em níveis local e
global. Movimentos importantes ganharam potência e escala: feminista,
antirracista, indigenista, ambientalista, dos direitos humanos, pela
valorização da diversidade, pela redução das desigualdades, pela promoção da
democracia participativa. Foram obtidos avanços importantes em legislações,
políticas públicas, normas jurídicas e tratados internacionais.
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Acabou a ideia de que o neoliberalismo é o caminho único, de que não há
alternativa. A mensagem “um outro mundo é possível” ganhou corações e
mentes.
O FSM só conseguiu se concretizar graças a milhares de militantes e
organizações que acreditaram na ideia e se empenharam em realizar, há 20
anos, o primeiro fórum e que organizaram e participaram de todos os
encontros seguintes. E que, principalmente, continuam lutando por um
mundo melhor. A essas instituições e pessoas, rendo minhas homenagens.
Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/01/20-anos-de-forum-social-mundial.shtml, na Folha de S.Paulo